13.10.09

Histórias encantadas de Walcyr Monteiro ganham inspiração na Grécia, Egito e Itália


Em viagem de quase um mês, o escritor retorna a Belém e prepara lançamento de livro de lendas japonesas
contadas na Amazônia

Eram quase 10 horas da manhã e eu ainda estava à caminho do encontro marcado para uma entrevista às 9h30 com o escritor Walcyr Monteiro. Já um pouco atrasada, há cerca de um mês, o encontrei na sala em meio às várias caixas já prontas para a mudança de endereço que aconteceria naquela semana, pouco antes dele viajar “à passeio”, me disse, para o exterior. Pois bem, ele partiu, mas está de volta a Belém, nesta quarta-feira, 14, depois de ter rodado a Grécia, o Egito, a Itália e São Paulo.

Na chegada, a agenda já tem marcada no dia 25, o lançamento de uma nova publicação. Não será em Belém, mas no município de Santa Bárbara, numa comunidade de descendentes japoneses. “Histórias Japonesas Contadas na Amazônia” reúne três historias “A Montanha do Abandono”, “A Solidão da Garça” e “A Catarata que virou Saquê”, além da filosofia samurai.

Era pra ter sido lançado durante a semana das comemorações dos 80 anos da imigração japonesa na Amazônia, mas acabou sendo adiado. Era exatamente aquela semana que ele se preparava para mudar de casa, viajar e ainda por cima, me recebia.

A conversa não seria sobre este novo livro, mas falamos à respeito. “Foi difícil de coletá-las. Os mais antigos japoneses, que sabem as histórias, não falam português. E os mais recentes não sabem contá-las”. Ele acaba falando mais de sua relação com o Japão. Tem livros editados por lá.

Japão - “O meu conto Presente de Natal foi editado em japonês, e também em inglês e espanhol. Então, certa vez uma senhora japonesa, uma editora de livros, que o havia lido, se interessou pelo meu trabalho e veio aqui em Belém. Mas ela não dava uma palavra em português. Resultado é que ela foi embora, levou trabalhos meus, mas ainda não sei o que vai sair disso”, conta.

Esta referida senhora, a editora, estava acompanhada por um produtor exportador da agroindústria paraense, Yroshi Okajima. E como coisa do destino, contando pra ele sua intenção de escrever sobre os contos japoneses, Walcyr teve uma grata surpresa.


“Ele disse que sabia algumas histórias, e deixou de lado seus interesses para vir aqui em casa. Ficou uma tarde inteira conversando comigo e me contou muitas coisas, das quais tirei o essencial para escrever as histórias”.

A obra traz desenhos coloridos, é bilíngüe (português e japonês) e possui uma arte que imita um pergaminho antigo. Seguimos neste assunto, mas nosso encontro naquela manhã, tinha outro fim.

Fonte - Walcyr Monteiro, com suas décadas escrevendo histórias sobre visagens, encantamentos e assombrações na Amazônia, seria uma das minhas fontes para escrever uma outra matéria que deveria falar dessas lendas urbanas, ocorridas dentro dos monumentos mais importantes da trajetória do Círio de Nazaré, no caso, o Colégio Gentil Bittencourt, a Basílica de Nazaré e a Igreja da Sé.

Falamos de histórias sobre túneis subterrâneos, que interligariam colégios religiosos e Basílica de Nazaré à Sé. E ainda sobre uma certa cobra, cuja cabeça estaria sob o altar da Sé e o rabo, que foi mudando de direção tal qual anda a procissão do Círio, e hoje se encontraria embaixo da Basílica. Onde está realmente o rabo ou a cabeça, talvez seja o que menos importa. O caso é que, se ela se remexer lá em baixo, a cidade toda desaba. Reza a lenda.

Pergunto como ele faz suas investigações. “Na memória de infância e outras coisas, produto de pesquisa. Meu objetivo é manter estas lendas vivas. As indígenas são em maioria, mas tivemos a mistura de histórias contadas por portugueses, africanos, sírios, espanhóis, hebraicos. E nunca houve pesquisa séria em cima disso, dessas lendas”, lamenta.


E sabe que muitas delas já se perderam porque não tiveram registro. “Com a chegada da televisão, as histórias deixaram de ser contadas. Há mais tempo ainda, houve uma endemonização dessas lendas indígenas por parte da igreja e elas foram ficando proibidas”, reflete e complementa. “O engraçado é que esta endemonização está em várias cidades da Amazônia e todas elas colocam a cobra em baixo de uma igreja”, sorri.

Novo volume - Falando nisso, diz que está preparando o segundo volume de “Visagens e Assombrações de Belém”. O primeiro volume, que está na quinta tiragem, da quinta edição, não sofreu muitas alterações ao longo do tempo.

“Mantive os dados históricos desde o início, mas na sexta edição que está por vir, terá algumas notas de roda pé, porque hoje há coisas que as pessoas não associam mais. Ninguém mais o associa ao atual canal da Doca de Souza Franco, que nem doca é mais, é o canal da Av. Visconde de Souza Franco”, comenta.

Continua falando e lembra que havia uma ponte de madeira neste Igarapé das Almas que ligava a rua Jerônimo Pimentel a rua Senador Manoel Barata. Pois é, quantas pessoas sabem disso? Que venham as notas.

As histórias que foram colhidas por ele, em 1972, ficaram dividias no 1º vol., as vinte e cinco histórias que abordam lendas mais antigas, e no 2º vol. estarão as mais modernas, como histórias de motéis.

“Na época mais remota do 1º vol. não tinha motel, mas sim pensões e puteiros. A figura do motel é bem mais recente e tenho duas pra contar neste novo volume”, anuncia. Fico curiosa pra ler, mas Walcyr também confessa que ainda não sabe quando poderá lançá-lo.

Memória - A obra de Walcyr mantém nossas memórias vivas. “Desde pequeno me interesso pelas histórias de encantamentos, assombrações, contados pelos mais velhos e entre os amigos. Havia o televizinho, mas as histórias não paravam de ser contadas. Infelizmente, hoje, os personagens dos mitos e lendas da Amazônia já deram lugar aos personagens de televisão e vão começar a se perder no tempo. Foi pensando assim que comecei a fazer a coleta de histórias”, dizia Walcyr, enquanto revirava algumas caixas da mudança.

Ele explica que não transcreve as histórias, que tem seu modo de narrar e é a pura verdade. “Ouço e registro as histórias, mas na hora de escrevê-las elas tornam-se um texto meu”, define.

Autoridade no assunto, não à toa ele é um dos pesquisadores entrevistados no episódio “A Moça do Táxi”, no filme “Lendas Amazônicas” (Moisés Magalhães/Ronaldo Passarinho) ou em jornais - é um prato cheio para os cartunistas), TVs e universitários que pesquisam estes assuntos. Sua obra também inspirou o primeiro curta de animação stop motion do Pará, o “Visagem”, de Roger Elarrat.

Para Walcyr, a Amazônia é uma região encantadora e encantada, sempre com muitas e infindáveis histórias para ouvir e contar. “Quando você penetra nestes mistérios, quanto mais fundo você vai, mais fundo você quer ir. Vou dizer uma coisa, em 37 anos que eu publico, quanto mais eu leio, ou conheço, ou viajo e entrevisto as pessoas, mais eu chego à conclusão de que eu não sei nada”, diz já no final da entrevista.

Agora imagino que seu retorno da Grécia, do Egito e da Itália esteja repleto de novas histórias para contar, estas de lugares mais distantes da Amazônia, ou não...


Ilustram esta matéria, cartuns de J. Bosco, João Bento e André Abreu. Por último, uma foto do curta Visagem.

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