22.1.10

Entrevista: Trajetória de Marilene Melo marca a história contemporânea da dança no Pará

Neste final de semana, a pesquisadora, bailarina e coreógrafa Marilene Melo apresenta, em Mosqueiro, dois espetáculos como atividade final do projeto desenvolvido por ela junto aos alunos do projeto Pro Jovem Trabalhador.

Nesta sexta-feira, será mostrado o espetáculo Fraseando. A apresentação tem produção local dos alunos do Pro Jovem Trabalhador, da disciplina arte e cultura.

A direção e coreografia é de Marilene Melo e na cena, junto com ela, estão os intérpretes Assis Nascimento e Dionne Lima. No sábado, Marilene mostra “Um dia de saudade”, interpretado pelos alunos do Pro Jovem Trabalhador.

A realização do evento conta com apoio da Agência Distrital de Mosqueiro e da diretoria da Paróquia N.S. do Ò, espaço cedido para as apresentações que nos dois dias tem entrada é franca, começando às 20h.

Prêmio Augusto Rodrigues de Fomento à Dança – Secult, o espetáculo Fraseando é uma declaração de amor pela dança e pela vida. Foi criado por Marilene, artista que dedicou sua vida inteira a esta arte e que carrega na sua trajetória a responsabilidade de ter sido uma das pessoas importantes desta cidade para a transformação da prática desta arte, que passou do amadorismo e das apresentações de final de ano das academias de dança, para o profissionalismo e para o campo da pesquisa e o ensino superior.

São mais de 30 anos de envolvimento. Professora licenciada pela Escola Superior de Educação Física do Pará com especialização na Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, Marilene teve como mestres Augusto Rodrigues, Eni Correa, Dayse Barros, Márika Gidali, Ricardo Ordonez, entre outros.

Com mais de 60 anos, hoje, ela continua dona de um corpo invejável e ainda se diz completamente apaixonada pela dança.

No ano passado, depois da temporada de Fraseando, no Teatro Waldemar Henrique, eu fui até a casa dela, nos altos de sua antiga Academia, na José Bonifácio, e a entrevistei.

O bate papo, disponibilizo a partir de agora, aproveitando que o espetáculo está em cartaz e, na verdade, deveria também ser reapresentado em Belém.

Na entrevista, Marilene fala de sua trajetória, lembra da criação do Grupo Encarte e do processo de pesquisa que a levou a criar também a Companhia Roda Pará, formada por bailarinos com necessidades especiais. Um marco em sua vida. As fotos que ilustram a conversa são de divulgação do espetáculo Fraseando.

Holofote Virtual: Você é uma das pessoas responsáveis pela evolução da dança paraense. Como você definiria sua trajetória?

Marilene Melo: Todo trabalho que tive até o ano 2000, na minha vida, se resumia a um tipo de trabalho corporal porque eu trabalhava sempre com pessoas fisicamente “normais”. Mas entre 2000 e 2001 eu comecei a desenvolver um outro trabalho com pessoas de corpos diferenciados e isso me obrigou e me levou a tomar um outro rumo no que eu vinha fazendo em relação ao corpo e dança.

Holofote Virtual: Você está falando do seu trabalho com a Companhia Roda Pará. O que te levou a dar este novo rumo na carreira?

Marilene Melo: Novos desafios, novas pesquisas. O que eu queria era trabalhar esta dança contemporânea, mas com corpos diferenciados. Então comecei a participar de alguns editais, entrei com um projeto no IAP (Instituto de Artes do Pará), instituição que na época abriu espaço para trabalhar este tipo de pesquisa e foi tudo muito interessante, pois ali estava a diferença entre fazer dança e fazer pesquisa em dança.

O meu trabalho com estes artistas me abriu novos horizontes, pois o que eu tinha enquanto pesquisa era aquilo que pesquisávamos como coreógrafos e diretores.

Os bailarinos e alunos também não estavam acostumados a trabalhar assim, onde eles precisam dar contribuições e isso foi muito legal. Naquele momento, pra mim, era um experimento e um desafio.

A pesquisa não se acaba na dança, não encerra com o espetáculo, ou em um primeiro resultado e isso me instigou muito a continuar trabalhando. Em 2005 ganhei um prêmio do IAP.

Em 2006 fomos premiados pela Funarte, com o projeto “Além dos Limites”, específico para bailarinos com deficiência física. E também saímos de Belém com a companhia e nos apresentamos no Rio de Janeiro.

Naquela época foram mais de 200 projetos inscritos na Funarte, vindos de todo o Brasil, mas só cinco foram selecionados e o Pará esteve dentro, com a Companhia Roda Pará.

Foi neste período que fechei a minha Academia de Dança, e aprofundei minha pesquisa dentro do IAP, onde ensaiávamos. O IAP era um espaço propício para o acesso aos bailarinos cadeirantes.

Holofote Virtual: E como você chegou ao Fraseando?

Marilene Melo: Bem, continuei o desenvolvimento disso o que me levou a montar um trabalho sobre a minha história de vida e mostrar tudo o que fiz, todas as influências de linguagens corporais por que passei, passando pela educação física e o esporte, porque eu era atleta, o balé clássico e a dança moderna.

Foi a dança contemporânea e o trabalho, com estes bailarinos especiais, que me levaram a fazer esta retrospectiva. No Fraseando está toda esta história de corpo no meu próprio corpo.

Holofote Virtual: Você não é paraense... Como a dança entrou na sua vida?

Marilene Melo: Sou amazonense, mas vim pra Belém com 8 anos. Na minha infância eu rodopiava dentro de casa, já gostava de dança.

Era como se eu já tivesse na cabeça o meu processo de estudo, sabendo que eu queria dançar e trabalhar meu corpo. Mas não pensava em viver da dança.

No ensino superior fiz primeiro Psicologia, na UFPA, chegando a cursar um ano. Até que na década de 70 surgiu o curso de Educação Física, e saí da psicologia. Estava grávida na época, mas encarei.

Não foi fácil, mas passei no vestibular e lá encontrei o que eu queria. Fui da primeira turma de Educação Física, me formei e já comecei a trabalhar.

Holofote Virtual: A Academia Marilene Melo, que veio depois, formou muitos dançarinos e artistas importantes, como o Ricardo Risuenho, o Guilherme Repilla...

Marilene Melo: A academia abriu no início da década de 80. Foi quando faleceu meu pai, que me deixou o espaço onde abri a minha academia.

Começou pequenina, mas se transformou em grandiosidade, foi uma fase muito boa da minha vida.

Dali realmente saíram muitas pessoas importantes. Além de Guilherme e Ricardo, cito ainda a Lenora Leal e a Waldete Brito. Foi um período transformador da dança em Belém e que culmina, para mim, no Fraseando.

Foi esta memória que me moveu, porque o continuar deste espetáculo com o projeto que já tenho, o corpo memória, é exatamente isso, pois trazer esta trajetória importante na minha vida para o palco foi difícil, mexi com o meu emocional.

Holofote Virtual: Foi na época da academia que surgiu o grupo Encarte, não foi?

Marilene Melo: Isso mesmo. Antes a academia tinha seus espetáculos. Eu trabalhava com crianças, adolescentes. Mas foi surgindo uma necessidade para mim e para os meus bailarinos. Teve um momento em que eles mesmos me cobraram isso, pois estavam crescendo muito. Resolvemos então criar uma companhia, um grupo no qual pudéssemos visualizar algo mais além do espetáculo do final do ano.

Nasceu assim o Encarte, que acabou rompendo as fronteiras do Pará, sendo o primeiro grupo a ganhar prêmio fora do Estado. Ricardo Risuenho ganhou prêmio nacional de melhor bailarino, ganhamos um prêmio também no grande festival nacional de dança no Brasil que é o de Joinvile.
Isso era nos anos de 1991, 1992.

Apresentamos o espetáculo Réquiem, e foi algo inédito. Em Belém, foi mais inédito ainda. Ficamos três anos em cartaz com este espetáculo, com casa lotada todas as vezes, foi muito gratificante.

Holofote Virtual: Você deveria escrever um livro com suas pesquisa e colaborar mais ainda para o estudo e a história da dança no Pará.

Marilene Melo: A professora Gisele Moreira pesquisa sobre a dança no Pará, mas quando conversei com ela ainda não estava fazendo o Fraseando.

Falei até o processo com a Companhia Roda Pará. Ela já defendeu a tese de doutorado, um trabalho minucioso, que tem um acervo incrível, de qualidade. Ela sabe mais coisas da minha vida do que eu mesma. (risos).

Holofote Virtual: Falando da dança, hoje, em Belém...

Marilene Melo: Hoje temos graduação em dança, na Escola de Teatro e Dança da UFPA, uma luta de minhas ex-alunas, Waldete e Lenora. E há muitos projetos sendo pensados e executados, mas o patrocínio ainda é muito difícil.

O empresariado ainda não sabe o poder que tem nas mãos com a cultura, que é o de transformar este nosso país através da arte. Quanto a mim, quero continuar contribuindo para a dança de outras formas, não só na cena.

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