27.3.10

Entrevista: Alberto Silva Neto dirige novo projeto teatral inspirado em obra de Dalcídio Jurandir

Ponta de Pedras, ilha do Marajó, Pará, 10 de janeiro de 1909. Nasce ali e naquela data uma das maiores expressões da literatura paraense.

Dalcídio Jurandir morreu no final dos anos setenta, deixando um enorme legado, a sua obra, amazônica em todos os sentidos.

O romancista, que recebe homenagens pelo seu centenário, continuará sendo homenageado sempre e, mais do que isso, inspirando outras obras, de leituras próprias. A Associação Cultural Usina Contemporânea de Teatro acredita nisso e está bebendo na fonte.

No mês de fevereiro, o grupo deu início a uma grande empreitada nesta direção, ao realizar o Seminário de Preparação para o projeto “Mimese Corporal e Vocal na Ilha do Marajó”, vencedor do Prêmio Myriam Muniz da Funarte.

O espetáculo também ganhou apoios culturais do Hotel Regente, Academia de Danças Ana Unger e do Instituto de Artes do Pará.

“Nosso seminário teve como objetivo fundamental estudar alguns temas que julgamos essenciais para o trabalho como, por exemplo, compreender a estrutura narrativa do romance que pretendemos encenar, para o que contamos com a valiosíssima colaboração do professor Gunter Pressler”, conta o diretor Alberto Silva Neto.

Além dos atores Valéria Andrade, Nani Tavares e Milton Aires, e de Alberto Silva Neto e Nando Lima, todos do Usina Contemporânea de Teatro, as conversas e apresentações tiveram a participação do autor e diretor da Cia Faroste Caboclo, Paulo Faria, e da atriz mineira Vandiléia Foro.

Na foto ao lado, o grupo reunido. Olhando da esquerda para a direita: Milton Aires, Alberto Silva Neto e Nani Tavares, de pé, e Valéria Andrade, Vandiléia Foro, Nando Lima e Paulo faria, sentados.

Faria, que mora em São Paulo e foi indicado este ano ao Prêmio Shell de Melhor Autor pelo espetáculo “Meio Dia do Fim”, virá mais vezes a Belém para acompanhar de perto o trabalho.

Silva Neto, que também é jornalista diz que entre a fase dos ensaios do espetáculo, que já está acontecendo, até a estréia, serão cerca de seis meses de muito trabalho, o que ele comemora.

“Trabalharemos até julho, diariamente. Vamos juntos ao Marajó, visitar os municípios onde Dalcídio nasceu e viveu: Ponta de Pedras e Cachoeira do Arari. Muita coisa vai acontecer”.

Tudo vai exigir rigor da equipe, dado a proposta ousada de linguagens que estão sendo experimentadas para expressar Dalcídio Jurandir.

Na direção do espetáculo, Silva Neto já tem um reconhecimento de longa data no teatro paraense. Entre outros trabalhos, atuou em "Hamlet, Um Extrato de Nós", em 2002, com direção de Cacá Carvalho e em "Nunca Houve uma Mulher como Gilda", em 1995, ambos do grupo Cuíra. Um ano antes, em 1994, atuou em "O menigo ou o cachorro morto", de Bertolt Brecht, com direção de Kil Abreu.

Na carreira jornalística, chegou a trabalhar, nos anos 90, nos jornais Diário do Pará e na extinta Província do Pará. Entre 2002 e 2008, ele foi apresentador e produtor do Cultura Paidégua, na TV Cultura do Pará, uma invenção que nasceu das conversas com outro jornalista ligado ao teatro, José Carlos Gondin. Na época, o programa nascia para cobrir uma lacuna enorme na Tv Paraense, de um programa que desse amplo espaço às discussões e divulgação de arte e cultura.

Mas hoje, o teatro volta a ser mais presente na sua trajetória. No ano passado dirigiu "Ágora Mandrágora", também pelo Usina, e este ano esteve em cartaz dirigindo "Solo de Marajó", com o ator Cláudio Barros.

Mas o teatro de Alberto não está só nos palcos ou na direção de espetáculos , já que este ano ele foi aprovado em concurso público federal para professor da Escola de Teatro e Dança da UFPA – ETEDUFPA, onde está lecionando a disciplina Teoria do Teatro.

Antes do início do ano letivo, ele participou da programação da Semana de Calouros. “Dei uma aula espetáculo relatando minha pesquisa sobre as partituras de ações físicas aplicadas ao processo de criação atoral”, diz.

O projeto premiado pela Funarte ainda prevê várias ações e requer rigor, mas entre os ensaios, a semana de calouros e a produção toda do projeto, Alberto achou tempo e respondeu à entrevista do Holofote Virtual.

Abaixo, ele conta como está o processo de construção do espetáculo, como foi o reencontro com Paulo Faria e fala desse novo caminho que inicia dentro da academia de artes cênicas.


Holofote Virtual: Vocês mergulharam na obra Chove nos Campos de Cachoeira, mas o seminário trouxe mais contribuições. Como foram as discussões?

Alberto Silva Neto: Também refletimos sobre as implicações no processo de transposição da literatura para a cena teatral, a partir de uma fala do Paulo Faria. Falamos de semiótica teatral, processo colaborativo e outros assuntos.

Paralelamente, cada criador teve um espaço para fazer um relato pessoal de seu processo criativo e de seus referenciais estéticos, o que gerou um compatilhamento de experiências muito enriquecedor para todos.

No final, fizemos uma atividade lúdica na qual cada criador apresentou suas propostas de processo e encenação, a partir dos temas debatidos no seminário. O resultado foi muito interessante e acabou determinando os princípios do trabalho.

Holofote Virtual: Além dos integrantes do Usina, dois artistas de fora do grupo foram convidados a participar da montagem. No que eles estão somando?

Alberto Silva Neto: A participação do Paulo Faria, como dramaturgo, e da Vandiléia Foro, (na foto ao lado) como atriz, são dois presentes para nós. O Paulo é um artista maduro e experiente, que além da competência possui uma relação afetiva com Belém, com as pessoas e com a obra do Dalcídio, e isso é essencial.

A chegada dele deverá representar um salto para o grupo na criação dramaturgica, uma das áreas mais carentes no teatro paraense, na minha opinião. Já a Vandi é uma atriz muito talentosa e apaixonada, que vem de uma rica experiência com os oficinões do grupo Galpão, em Minas. Convidamos, ela topou, e ficamos muito felizes.

Holofote Virtual: Foi produtivo este primeiro encontro com Paulo, em Belém?

Alberto Silva Neto: Bastante. Foram três dias aqui e ele deverá voltar mais algumas vezes por curtos períodos durante o processo criativo, que vai até final de julho. Nos intervalos, faremos a experiência de criação à distância, pela internet. Os depoimentos dele foram sempre precisos e muito úteis para o trabalho.

Holofote Virtual: Disseste que não será feita uma adaptação da obra e que o espetáculo será fruto de um processo de experimentações. Explica a estrutura de funcionamento disso.

Alberto Silva Neto: Existem muitas maneiras de abordar um romance para levá-lo à cena. Você pode, por exemplo, adaptar a obra criando uma peça teatral inspirada nela, e depois montar esse texto, ensaiando as falas e os diálogos.

Mas também existem outros modos, nos quais o processo vai indicando de que modo aquela obra será incorporada à encenação, que possui também outros indutores espaciais, visuais, corporais, que podem não ter relação direta com o universo da obra literária.

No nosso caso, estamos partindo de quatro pesquisas individuais de cada um dos atores e atrizes: Valéria Andrade, Nani Tavares, Vandiléia Foro e Milton Aires. Uma delas vai buscar o teatro narrativo épico, experimentando o simples ato de narrar a história diretamente ao espectador. Outra vai investigar o teatro dramático, buscando a metamorfose em um ou mais personagens ficcionais do romance.

A terceira vai experimentar colocar o romance em diálogo com a linguagem da performance, com as novas tecnologias e com a visualidade da pós-modernidade, experimentando uma dramaturgia pós-dramática.

O ator, enfim, vai partir para um exercício com narrativas íntimas, nas quais as experiências e histórias de vida se misturem com as de um personagem da obra. O grande desafio será fazer isso tudo convergir numa encenação só. Ou será que faremos quatro solos? Somente o processo de criação e o dia-a-dia dos ensaios poderão responder essas questões.

Holofote Virtual: Dalcídio Jurandir é uma paixão tua?

Alberto Silva Neto: Não apenas minha, mas de todos nós. É um grande escritor que merece de todos, admiração e respeito pela obra monumental que criou.

Segundo Benedito Nunes, é ele que inaugura a literatura urbana na Amazônia, e o faz com grande valor artístico, superando o exotismo que vitima a literatura regional e levando o drama do homem amazônico à dimensão universal que ele merece.

É uma grande honra partir de uma obra dele, mas também não podemos incorrer no erro de idolatrá-lo a ponto de almejar apenas transpor sua obra para à cena (até porque isso é impossível, em tese).

Devemos, isso sim, confrontá-lo com nosso discurso pessoal e coletivo, e ver o que nasce desse conflito.

Holofote Virtual: A experiência com "Solo de Marajó" foi determinante para o surgimento desse projeto?

Alberto Silva Neto: Não exatamente. Quando o Cláudio Barros me convidou para dirigi-lo o projeto do Usina já tinha sido aprovado há muito tempo. Mas foi muito importante pra mim, encenar a obra do Dalcídio antes de assumir este novo processo, afinal, trata-se de um mesmo universo ficcional. Apesar disso, o resultado da montagem do Usina deverá ser muito diferente do Solo de Marajó.

Holofote Virtual: Acabas de ingressa no mundo acadêmico, agora como professor da ETEDUFPA. Quais teus sentimentos em relação a isso?

Alberto Silva Neto: Estou muito feliz. Terminei uma especialização em estudos contemporâneos do corpo, que defendi em janeiro, e pretendo partir para o mestrado em artes cênicas, o mais brevemente possível.

Paralelamente, ministro quatro disciplinas teóricas ao mesmo tempo, o que exige muito estudo e dedicação. Os desafios são grandes, mas quando a gente ama o que faz tudo fica mais fácil.

Holofote Virtual: Sempre caminhastes entre o jornalismo e o teatro. Hoje, como é esta relação? O teatro volta a ser mais presente?

Alberto Silva Neto: Sim, muito mais. O teatro, felizmente, está ocupando quase todo meu tempo. Digo felizmente porque esse sempre foi meu projeto de vida, que agora se concretiza. Teatro pela manhã, teatro à tarde e teatro à noite. É muito bom.



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