23.8.10

Pesquisa revela a história do livro e dos gabinetes de leitura em Belém

Às vésperas da abertura da XIV Feira Pan-Amazônica do Livro, que acontecerá de 27 de agosto a 05 de setembro, no Hangar, com entrada franca, homenageando a África que fala português e tendo como patrono, o escritor e poeta Bruno de Menezes, uma pesquisa chama atenção, ao revelar que o Estado do Pará foi o quarto maior importador de livros vindos de Portugal para o Brasil, no século XIX.

A afirmação é da pesquisadora Izenete Nobre, em seu trabalho de mestrado intitulado “Leituras a Vapor: a cultura letrada na Belém oitocentista”, apresentado nesta última sexta-feira, 20, dentro da programação do I Seminário de Bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Pará – FAPESPA, que integrou a programação da 3ª Feira Estadual de Ciência e Tecnologia, no Hangar Centro de Convenções da Amazônia.

A pesquisa de Izenete foi um dos 34 trabalhos de mestrado ou doutorado que foram realizados nas diversas áreas do conhecimento, através de bolsas da Fapespa, cujo edital é publicado desde 2007. Até este ano de 2010, já foram concedidas 438 bolsas, sendo 307 de Mestrado e 131 de Doutorado. A pesquisa de Izenete faz parte de um projeto maior, coordenado pela Professora Germana Sales (UFPA), que estuda a História do Livro e da Leitura no Pará.

O foco inicial da pesquisadora era comprovar a existência de um sistema literário em Belém organizado por um tripé defendido por Antonio Candido em sua obra “A Formação da Literatura Brasileira”. Mas o levantamento feito a partir dos textos produzidos por autores paraenses e divulgados nos jornais do XIX, acabou apontando um outro caminho de investigação que chegou à circulação de Romances em Belém e sua divulgação na imprensa.

Imprensa e mercado livreiro - Izenete conta que a imprensa foi, durante todo o processo de fixação estrangeira e de urbanização da cidade de Belém, a principal responsável pela divulgação do que se pensava e lia em todo o Império. De acordo com a pesquisadora, as folhas periódicas foram o veículo difusor de cultura e de leitura durante toda a segunda metade do século XIX. Através de suas páginas, eram anunciadas as modificações sociais e a fundação de espaços democratizadores da leitura como as livrarias e os gabinetes de leitura.

“Sabe-se que a leitura possui uma história e essa História é definida por maneiras de apropriação que definiam uma identidade cultural. Segundo Robert Darnton, o ato de ler constitui ‘um fenômeno social’, no qual as diferentes maneiras de ler e se expressar estão presentes. Nesse sentido, o crescimento do mercado livreiro e o surgimento de espaços voltados para leitura funcionaram como vulgarizadores de uma cultura letrada, cujo representante estaria em uma Europa dita civilizada”, cita Izenete.

Assim ela investigou de que forma o incremento livreiro (o mercado livreiro) se tornou responsável por modificações sociais e culturais numa cidade onde o discurso de carência foi uma constante durante toda a primeira metade do século.

“Verifiquei que, com a chegada de novos livros e homens influenciados por idéias capitalistas e, ao mesmo tempo, iluministas, a implementação no sistema educacional tornou-se uma das principais reivindicações na cidade de Belém, conquanto era, na educação do povo, que estaria a “evolução” e inserção da província no contexto intelectual do império, uma vez que, economicamente, já era importante para as rendas do tesouro imperial”, diz.

Gabinetes de Leitura - Uma vez evidenciada a expansão do mercado livreiro, a pesquisa evoluiu para a investigação dos espaços onde o livro pudesse circular como produto de civilidade e cultura, chegando a informações sobre a fundação de gabinetes de leitura em Belém, iniciativa que os portugueses já haviam tido, também em Recife e no Rio de Janeiro.

A pesquisa revelou a existência de um Gabinete Português de Leitura fundado em 1857, antes mesmo do afamado Grêmio Literário Português, de 1867. Apontou, ainda, equívocos já publicados por estudos historiográficos sobre a origem e fixação da colônia portuguesa no Pará, como os de Eugênio Leitão de Brito e Geraldo Mártires Coelho, entre outros.

Tais estudos dizem que o Grêmio Literário e Recreativo Português teria sido o quinto Gabinete de Leitura a ser instalado no Brasil, sendo a segunda associação criada por portugueses em Belém, depois da fundação da Sociedade Beneficente Portuguesa, e a primeira biblioteca de Belém, composta por meio de aquisição de livros do Rio de Janeiro e de Lisboa. Mas de acordo com Izenete, as datas estão incorretas.

“A Biblioteca Pública de Belém data de 1839, com sua instalação em 1840 em uma das salas do Colégio Paraense, além do Gabinete Português de Leitura, em 1857, fundado vinte anos depois da criação do Real Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro e não trinta como afirmam aqueles estudiosos. Assim sendo, contrariamente ao que afirma Leitão e Coelho, a segunda associação portuguesa no Pará foi o Gabinete Português de Leitura fundado em 1857 e não o Grêmio Literário Português”, diz.

Pesquisa - Para chegar a estas conclusões, Izenete pesquisou em várias bibliotecas de Belém, na Biblioteca Nacional e encontrou, n a internet, projetos resgatando a memória da leitura e do Livro espalhados pelo Brasil.

“Apoiei-me bastante na pesquisa em Jornais e em periódicos, enfim, utilizei de tudo quanto foi fonte possível desde jornais, folhetos, livros de história, inventários, testamentos, livros antigos digitalizados e impressos. Também mapeei alguns livros publicados por impressores e tipógrafos locais”, justifica. A pesquisa foi de tal forma envolvente que a pesquisadora foi levada por caminhos que sequer havia imaginado.

“Constatei que a maioria dos impressores era de origem estrangeira e, por isso, tive que estudar a história da navegação e liberação pelos Rios da Amazônia. Pesquisei até coisas que não imaginava, pois como não tinha nada sistematizado por estudo nenhum tive que eu mesma procurar fazê-lo”, ressalta.

O trabalho dela vem servindo como base de leitura para os novos trabalhos feitos na área, auxiliando outros estudos sobre a construção da intelectualidade paraense bem como para se estudar como ocorreu ou ocorre a formação de leitores no XIX no Pará.

Para ela, é necssário mais espaços de leitura em Belém. “Temos poucas bibliotecas e essas não tem um acervo muito grande. Falta maior incentivo ao gosto pela leitura. Nossa memória de leitura parece estar sendo esquecida, assim , como se esqueceu o Gabinete Português de Leitura do Pará, espaço destinado a congregar pessoas em torno da leitura e da cultura”, diz.

Depois do Mestrado, que fez como bolsista da Fapespa, Izenete está tentando vaga no Programa de Doutorado da Unicamp. “Já enviei meu projeto e espero que seja aprovado. Pretendo expor o que consegui descobrir, ou melhor, descortinar durante a minha pesquisa e quem sabe atrair novos pesquisadores para este campo de estudo”, finaliza.

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