14.5.15

Solo de Marajó abre temporada no Sesc Boulevard

Fotos: JM Condurú
Depois de uma temporada no Rio de Janeiro com sete apresentações realizadas em quatro espaços diferentes, o espetáculo teatral paraense Solo de Marajó volta a Belém e faz curta temporada no auditório do Sesc Boulevard. De hoej (14) a sábado (16), sempre às 19h, com entrada gratuita. A montagem da Usina Contemporânea de Teatro é inspirada na obra do escritor paraense Dalcídio Jurandir, considerado o expoente do romance regionalista no Norte do país.

Em Solo de Marajó, o ator paraense Claudio Barros narra, sozinho sobre um palco vazio, oito pequenas histórias extraídas do romance Marajó, o segundo de uma saga em dez volumes do romancista intitulada Ciclo Extremo Norte, cuja densidade e fôlego ombreia com a produção romanesca de grandes nomes da literatura moderna brasileira.

A encenação é ousada ao assumir o palco nu para valorizar o papel do ator como contador de histórias. Mas é justamente esta escolha que potencializa a força da prosa dalcidiana. Em cena, a palavra é colocada sobre uma detalhada partitura corporal, fruto de pesquisa sobre as histórias de vida do ator e a partir da observação do corpo de pessoas que habitam o ambiente da vida rústica na Amazônia, o mesmo sobre o qual a obra se funda.

Os temas das narrativas vão desde questões de cunho social, como racismo, exploração do trabalho, tráfico de crianças e prostituição, até o universo íntimo das relações amorosas, recheadas de paixão, dor, solidão, ciúme e vingança. Esta visão multifacetada do autor levou os criadores a uma dramatugia que não se preocupa em dar conta da fábula romanesca, mas acaba por construir um mosaico capaz de representar as relações humanas na Amazônia.

Criado em 2009, o espetáculo marca a primeira incursão do encenador Alberto Silva Neto no universo da literatura dalcidiana pensada para a cena. Mas já no an
o seguinte, premiada pela Funarte, a Usina realizaria, também sob sua direção, a montagem Eutanázio e o princípio do mundo, desta vez inspirada em Chove nos campos de Cachoeira – primeiro romance de Dalcídio, publicado em 1941, depois de conquistar o primeiro lugar no concurso literário nacional promovido no RJ pelo Jornal Dom Casmurro e pela Editora Vecchi.

Solo de Marajó chegou ao RJ em janeiro de 2015, depois de diversas temporadas em Belém nos últimos seis anos, além de uma turnê por cinco cidades da Ilha de Marajó, em 2012, e duas apresentações em São Paulo (a primeira em 2010, em mostra da cena paraense contemporânea promovida pela Cia Pessoal do Faroeste, dirigida pelo dramaturgo e encenador paraense Paulo Faria, e a segunda no ano passado, durante a programação da Virada Cultural de SP).

A partir de junho, o espetáculo inicia a turnê nacional Solo de Marajó nos solos de outros brasis, agraciada pela Funarte com o prêmio Myriam Muniz, quando circulará por dez cidades de cinco estados brasileiros diferentes, que foram berço de outros grandes romancistas brasileiros: o Rio Grande do Sul de Érico Veríssimo, o Ceará de Raquel de Queiroz, as Alagoas de José Lins do Rego, a Paraíba de Graciliano Ramos e a Bahia de Jorge Amado. Em novembro, volta ao RJ para uma temporada de quatro semanas (sempre às quartas e quintas) no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema.

Solo de Marajó tem ainda dramaturgia de Alberto Silva Neto, Claudio Barros e Carlos Correia Santos, iluminação de Iara Regina de Souza, fotos de JM Conduru e produção de Sandra Conduru.

O autor - Nascido na vila de Ponta de Pedras, na Ilha de Marajó, em 10 de janeiro de 1909, Dalcídio Jurandir Ramos Pereira foi jornalista e escritor. Passou a infância no município vizinho de Cachoeira do Arari e logo depois mudou-se para Belém. Foi para o Rio de Janeiro pela primeira vez em 1928, com apenas 19 anos, onde até lavou pratos para sobreviver. Ainda voltou ao Pará algumas vezes mas viveu no Rio até morrer, no dia 16 de junho de 1979.

A maior saga da literatura amazônica foi publicada por Dalcídio entre 1941 e 1978, apenas um ano antes de sua morte. Segundo o crítico Benedito Nunes, para quem a obra do marajoara funda a paisagem urbana na literatura amazônica, os dez romances (além destes, ele ainda escreveu Linha do Parque, de temática proletária e publicado no RS) integram um único ciclo romanesco, quer pelos personagens e as relações que os entrelaçam, quer pela linguagem que os constitui, num percurso que vai desde Cachoeira até Belém, criando uma radiografia tanto do ambiente rural na Amazônia quanto da periferia da capital paraense.

Apesar de ser frenquentemente enquadrada na segunda fase do modernismo brasileiro, caracterizada sobretudo pelo regionalismo e pela denúncia social, a obra de Dalcídio ultrapassa toda forma de enquadramento. Do ponto de vista formal e estilístico, a prosa dalcidiana explora elementos da narrativa moderna, como as quebras com a linearidade espaço-temporais, uso da técnica do fluxo de consciência para realçar a densidade psicológica dos personagens ou a projeção de sentimento na descrição da paisagem.

Em 1972, Dalcídio Jurandir recebeu da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra, entregue em suas mãos por Jorge Amado. Naquela oportunidade, o romancista baiano declarou que o romancista paraense “trabalha o barro do princípio do mundo do grande rio, a floresta e o povo das barrancas, dos povoados, das ilhas, e o faz com a dignidade de um verdadeiro escritor, pleno de sutileza e de ternura na análise e no levantamento da humanidade paraense, amazônica, da criança e dos adultos, da vida por vezes quase tímida ante o mundo extraordinário onde ela se afirma”.

Os criadores da cena

Claudio Barros, 51 anos, começou no teatro em 1976 e tornou-se um dos mais notáveis atores paraenses de sua geração, com passagem por grupos importantes na cena contemporânea local como Experiência (onde integrou o elenco original de Ver de Ver-o-Peso, famosa ópera cabocla, há mais de 30 anos em cartaz), além de Cena Aberta e Cuíra do Pará, do qual é um dos fundadores. Desde 2009, integra o núcleo de criação da Usina Contemporânea de Teatro, atuando em Solo de Marajó.

Alberto Silva Neto, 45 anos, começou no teatro em 1987. É ator, encenador e professor da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (UFPA). Nos últimos dez anos, dirige as criações da Usina Contemporânea de Teatro, com ênfase numa cena que explora uma poética amazônica inspirada nos modos de vida do povo caboclo (fruto da miscigenação entre índios e brancos) a partir da figura do ator como contador de histórias.

Série Extremo-Norte

•    Chove nos Campos de Cachoeira, Editora Vecchi (1941)
•    Marajó, Editora José Olympio (1947)
•    Três Casas e um Rio, Editora Martins (1958)
•    Belém do Grão Pará, Editora Martins (1960)
•    Passagem dos Inocentes, Editora Martins (1963)
•    Primeira Manhã, Editora Martins (1968)
•    Ponte do Galo, Editora Martins/MEC (1971)
•    Belém do Grão-Pará, Publicações Europa-América (1975) Edição Portuguesa
•    Chove nos Campos de Cachoeira, 2ª Edição, Editora Cátedra (1976)
•    Os Habitantes, Editora Artenova (1976)
•    Chão dos Lobos, Editora Record (1976)
•    Marajó, 2ª Edição, Editora Cátedra/MEC (1978)
•    Ribanceira, Editora Record (1978)

Série Extremo-Sul

•    Linha do Parque, Editora Vitória (1959)
•    Linha do Parque, Editora Russa (1962) Edição Russa

Publicações póstumas

•    Passagem dos Inocentes – Editora Falângola (1984)
•    Linha do Parque – Editora Falangola (1987)
•    Chove nos Campos de Cachoeira – Editora Cejup (1991, 1995 e 1997 (com o Jornal Província do Pará))
•    Marajó – Editora Cejup (1991 e 1992)
•    Três casas e um Rio – Editora Cejup (1991 e 1994)
•    Chove nos Campos de Cachoeira – Edição Crítica de Rosa Assis – Editora da Unama (1998)
•    Belém do Grão-Pará – Editora Edufpa/Casa de Rui Barbosa (2005)
•    Marajó – Editora Edufpa/Casa de Rui Barbosa (2008)
•    Primeira Manhã – Eduepa (2009)
•    Chove nos Campos de Cachoeira (Nova e definitiva edição com "texto inteiramente revisto, corrigido, reestruturado e amplamente emendado pelo autor, de próprio punho") – Editora 7 Letras (2011)

Serviço
Espetáculo teatral Solo de Marajó, da Usina Contemporânea de Teatro. Com Claudio Barros. Direção: Alberto Silva Neto. De 14 a 16 de maio, no Sesc Boulevard, sempre às 19 horas. Entrada gratuita. Duração: 55 min. Conheça mais sobre Dalcídio Jurandir (RJ) no site www.dalcidiojurandir.com.br

Mais informações:  (91) 98810-3040/99120-6080 e 98189-2160.

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