1.10.15

Doc traça paralelo entre Círio e a Divina Comédia

Após três anos de filmagem, edição e finalização, “Carnaval Devoto”, da cineasta Regiana Queiroz, será lançado nesta quinta-feira, 1 de outubro, às 17h, seguindo em cartaz, no Cine Olympia, nos dias 02, 03 e 04, no mesmo horário, sempre com entrada franca. A realização é da Casa de Produção Cinematográfica "3boludos y 1perro", sediada em Milão e Paris, e responsável pelo roteiro, direção, edição e finalização do filme.  No hall do cinema será exibida a mostra de fotografias de cena de Raphael Nunes e Tássia Barros. 

O longa metragem "Carnaval Devoto" foi rodado entre as cidades de Vigia de Nazaré e Belém do Pará, durante a festa do Círio, em outubro de 2012. Estruturado na obra de Dante Alighieri, A Divina Comédia, o documentário mostra o caminho percorrido por uma personagem que vai ao inferno, passa pela agonia do purgatório até receber a graça da redenção e alcançar o céu.

“É uma analogia que remete às manifestações profanas, festivas, alimentares, culturais e religiosas que são a marca mais intensa do Círio de Nazaré, registrado como o maior evento de devoção católica no mundo e Patrimônio Imaterial da Humanidade”, diz Renata Maués, produtora executiva do filme.

A equipe acompanhou todos os passos desta festa grandiosa que mostra um traço importante da cultura paraense: a fé do seu povo e a intimidade com que se relaciona com N. S. de Nazaré, padroeira do estado. 

"A chamamos carinhosamente de Naza, Nazica, Mãe da Amazônia, nessa manifestação, que foi chamada também de Carnaval Devoto, por um dos nossos maiores romancistas, Dalcídio Jurandir e, posteriormente, reafirmado este termo, pelo antropólogo Isidoro Alves, em seu livro homônimo”, conta Renata. 

O documentário mostra rituais alimentares, festividades que antecedem, homenagens rendidas pelas diversas classes e categorias de devotos da Virgem, incluindo as consideradas profanas, como a famosa Festa da Chiquita, do movimento LGBT, romarias paralelas, brinquedos típicos, representações como o Auto do Círio, evento da classe artística que ocorre há mais de 10 anos, e depoimentos de antropólogos, historiadores, artistas e pessoas comuns, através de um fio condutor dantesco.

Bate papo aqui e no hall do cinema

A diretora Regiana Queiroz estará presente nesta pré-estreia de quinta-feira, disponível para debate após a projeção, mas antes mesmo de chegar a Belém, ela bateu um super papo com o blog, que publicamos a seguir:  

Holofote Virtual: Como você saiu do Brasil pra fazer cinema na Europa?

Regiana Queiroz: Eu me mudei para a Itália em 2005, quando me casei, e fui fazer faculdade de cinema em Milão, onde nasceu a 3boludos y 1perro cinematográfica, casa de produção para os meus filmes independentes junto com outros amigos da faculdade. Depois de oito anos em Milão, me separei do meu segundo marido e mudei para Paris onde já estava em pré produção o meu longa Lovers and Other Strangers, quando tive que voltar ao Brasil, para São Paulo, acompanhar cirurgia e quimioterapia da minha mãe que estava já no seu segundo tumor. Não conseguindo lidar com essa situação de maneira saudável, depois da cirurgia me mudei para o Rio, onde a Renata me propôs de fazer um documentário sobre o Círio. 

Com a ajuda financeira do meu tio carioca querido, José Aniceto Moscoso Queiroz, decidi que poderia ser uma boa ideia. Mas a condição do meu tio em me ajudar era que depois das filmagens eu voltasse para São Paulo para ficar com a minha mãe. Aceitei e liguei para ela para dar a notícia, e ela, no telefone, pediu para que eu colocasse o seu nome na Corda. 

Holofote Virtual: Já conhecias de perto o  Círio de Nazaré?

Regiana Queiroz: Até esse momento eu nem sabia o que era a Corda, e para uma mãe doente, até os ateus prometem qualquer coisa (risos), eu respondi que iria na Corda sem saber absolutamente do que se tratava. Até aquele momento o Círio de Nazaré era uma procissão que acontecia todo o ano e o avô do meu melhor amigo, Theo, já falecido, nascido em Belém, ia todos os anos. Isso era tudo que eu sabia.

Chegando em Belém fui ler, estudar, pesquisar para poder ser capaz de fazer um bom trabalho mesmo sem a equipe técnica que eu estava acostumada na Europa. Foi uma verdadeira aventura. Durante meus estudos decidi estruturar o documentário na Divina Comédia do Dante Alighieri, obra que eu havia estudado até a exaustão na Itália e me sentia segura com esse paralelo, sabia que podia funcionar, só não podia prever o que aconteceria, o que é normal em um documentário, o roteiro é bem aberto e flexível. 

Holofote Virtual: E quais as ligações e relaçoes estabelecidas após as filmagens?

Regiana Queiroz: Em Belém acabei descobrindo que minhas ligações com o Círio eram mais antigas do que eu imaginava e que minha mãe, artista plástica, quando estava grávida do meu irmão, isso há mais de 30 anos, pintou uma Nossa Senhora de Nazaré para o Círio, e por esse motivo ela sabia exatamente do que se tratava esse evento gigantesco que te arrasta como o Rio Amazonas. 

Holofote Virtual: Você veio sem uma equipe pra Belém, como foi a filmagem?

Regiana Queiroz: A Renata montou uma equipe de produção local, baseada no amor, e na ideia de que aquele não seria mais um documentário sobre o Círio, mas um filme de autor, como os que eu costumava fazer. Sendo eu, a 3boludos y 1perro, decidi assumir todas as responsabilidades do projeto em nome da casa de produção.

Holofote Virtual: O que vamos ver em "Carnaval Devoto"?

Regiana Queiroz: O paralelo entre a obra do Dante e o Círio, que se irmanam com laços fortes cada dia mais. Estivemos em todos os eventos ligados ao Círio (dentro da possibilidade de haver apenas duas câmeras) até o último dia, onde acompanhamos um pagador de promessa chamado João, que deu a todos da equipe a verdadeira emoção da fé e do significado do Círio para aqueles pessoas e para mim. Demorei 3 anos para conseguir editar o material filmado. Para dizer a verdade só consegui depois da morte da minha mãe, em novembro do ano passado.

Holofote Virtual: Depois do lançamento aqui, quais os planos pro filme?

Regiana Queiroz: Os planos eram (e ainda são) vender o documentário para algum canal televisivo europeu, distribuir em festivais e conseguir, apesar da burocracia, o selo da Ancine de produto brasileiro. Atualmente estou retomando o projeto Lovers and Other Strangers em Paris e escrevendo um novo roteiro, Fukushima mon amour, para ser filmado, em um futuro não próximo, entre Tokyo e Fukushima. 

Holofote Virtual: Você restá envolvida em outros projetos atualmente? 

Regiana Queiroz: Como o tempo do cinema é longo, preparo uma exposição de pinturas ligadas a personagens cinematográficas para uma galeria de São Paulo, aproveitando que essa exposição fez bastante sucesso em Milão em 2011 ( http://cinepoprq.blogspot.it )

Holofote Virtual: 1Tem mais temas que te interessam em filmar no pará? Quais?

Regiana Queiroz: O Pará é um lugar incrível, muito rico para um cineasta, mas eu costumo dizer que não sou eu quem escolhe o filme, o filme que me escolhe, e eu obedeço. Quem sabe aparece mais alguma coisa para filmar? Espero! 

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