8.9.16

Ismael Machado e a Amazônia no cinema brasileiro

Há quase dois anos no Rio de Janeiro, trabalhando e vivendo como roteirista e co-diretor, o premiado jornalista paraense Ismael Machado começa a colher os frutos dessa longa jornada, em que carrega consigo a essência da vida na região amazônica. Porto Velho vai produzir o primeiro longa-metragem, com um roteiro assinado por ele, mas o mergulho cinematográfico do também escritor, autor de vários livros, não para por aí, pois já há outros projetos aprovados com roteiros seus, em parceria com produtoras cariocas que devem iniciar produção entre final deste ano e 2017. 

Há um ano e meio ele saiu de Belém com a intenção de entrar de cabeça no mundo audiovisual. Contou com apoio e incentivo de amigos e também do “acaso”. “Um dia recebi a ligação do Belisário Franca, sócio da Giros, uma produtora importante do Rio de Janeiro. 

Por indicação da Mirtes Morbach, sócia da Temple Comunicação, ele me contratou para fazer consultoria amazônica no roteiro de uma série chamada Jungle Pilot, que tem como cenário uma empresa de táxi aéreo na Amazônia. O roteiro foi desenvolvido pelo Rafael Leal, roteirista conhecido no Rio de Janeiro, numa parceria da Giros com a Universal. 

“Eu sei pouco do projeto atualmente. Sei que ele havia tido uma pausa por questão de recursos, mas também soube que o canal realmente fechou a parceria e agora ela deve entrar na fase de pré-produção. Mas isso não posso garantir com certeza absoluta nesse momento. Na época do desenvolvimento dos roteiros, eu avaliava para que não fossem usados aqueles absurdos que as produções fazem quando se trata de Amazônia. Tipo aquela novela, do ‘tem tacacá na cozinha’ e ‘hoje vai ter lundu’” (risos), diz.

Entrevistada de "Marcadas para Morrer"
Belisário também leu algumas reportagens minhas, leu meu livro Sujando os Sapatos e abriu espaço para que eu apresentasse alguns projetos a ele”, lembra o roteirista. Desse contato resultaram ‘Soldados do Araguaia’, um documentário sobre traumas da guerrilha, e "Marcadas para Morrer", uma série documental sobre a luta de mulheres na posse da terra na Amazônia. Ismael viajou por localidades amazônicas pesquisando personagens para chegar ao roteiro final, que será produzido pela Giros, produtora carioca. Ambos foram aprovados em editais do CinebrasilTV e a produção, com filmagens devem ocorrer no semestre que vem.

Ismael Machado avalia esses e outros saldos positivos e reconhece que muito do que vem conquistando junto a linguagem audiovisual se deve a sua jornada vivida na região como repórter, o que lhe trouxe vivencia e conhecimento sobre a Amazônia, muitos contatos e, principalmente, os temas dos projetos de documentários e séries hoje em produção. “Faz parte do meu DNA contar histórias. Só mudou a plataforma, mas pretendo avançar mais na ficção”, conclui.

1º longa de Rondônia tem veia paraense no roteiro

“Perdidos” foi a única produção nortista contemplada no PRODECINE 1 - 2015. O Eco-trhiller que traz personagem feminina digna de séries como Jéssica Jones, é de uma produtora rondoniense, a Espaço Vídeo, que tem como sócio Jurandir Costa, que desde o início dos anos 90 batalha pelo audiovisual em Rondônia, onde realiza, junto a esposa Fernanda Kopanakis, o Festival Cineamazônia, um dos mais importantes festivais de cinema da região.

Ismael conta que o longa-metragem apresenta uma personagem muito diferente do que se vê no cinema brasileiro. A trama do longa gira em torno do roubo de um dinheiro que um deputado obteve de forma corrupta. Elizabeth é contratada para reaver esse dinheiro, mas aí muitas coisas acontecem. O filme mistura questões de corrupção política, ataques a direitos de comunidades tradicionais, suspense sobrenatural e Road-movie de perseguição.

“Elizabeth é uma jovem caçadora de recompensas. Ela tem habilidades muito peculiares. É muito inteligente, só que muito disso vem de ela possuir uma relação especial com o ‘outro lado’, algo meio sobrenatural. É resultado de uma antiga maldição”, explica.

Um dos avaliadores do projeto e do roteiro enfatizou que a personagem é digna de figurar em uma série de ficção. “Eu também acredito nesse potencial, até porque as três grandes referências na construção dessa personagem são Jéssica Jones (série da Netflix), Dexter e Lisbeth Salander, da trilogia Millenium”, confessa Ismael.

Em fase de contratação, para se tornar filme, “Perdidos” ainda passará pela etapa de pré-produção, com a consultoria de roteiro, com a seleção de elenco etc. “O mais importante é que essa será a primeira produção de ficção em longa-metragem de Rondônia. Olha como isso é significativo em relação a atual política de descentralização das produções audiovisuais no Brasil”, comenta.

Museu vivo no coração da floresta

Outro projeto com o qual o jornalista está envolvido em parceria com Rondônia é “Museus Vivos”, encampado pelo Cineamazônia, feito em parceria com seu filho Lui. “Eu dei a ideia ação do Cineamazônia para que,na itinerância do projeto, começássemos a registrar histórias de pessoas comuns, anônimas. Que elas pudessem contar a própria história de vida e sua relação com os lugares”, explica. 

São vídeos de dez minutos em média. Algumas histórias são muito bonitas, cativantes, como traduz Ismael, que deixa a direção desse projeto mais a cargo de Lui. “Eu fico ali, ajudando nas entrevistas, dando um recorte nas coisas. Mas ele é quem dirige e edita”, conta ele informando que alguns dos vídeos já estão disponíveis no Youtube e no site do Cineamazônia.

Série documental e outros projetos engatilhados

Ismael Machado vai assinar também o roteiro de mais um projeto a ser desenvolvido em 2017, uma série documental aprovada em julho pelo Prodav 8. “Mad Scientists: os cientistas que ninguém quis ouvir” será dirigida por Gavin Andrews, sócio da Castanha, uma produtora do Amapá. Ao todo são 13 episódios, de 26 minutos cada.

“É uma série bem interessante porque vai falar de pesquisadores que foram ignorados uma época e provaram que estavam certos, como por exemplo, a pesquisadora que fez a relação entre o zika e a microcefalia; ou o pesquisador que pensou na questão das cotas nas universidades. 

O projeto ganhou o PRODAV 8, para TVs públicas. E foi também o início de uma parceria com o Gavin, um canadense admirável. A gente tá desenvolvendo uma série de ficção chamada Oyapock e temos uns projetos que queremos tocar juntos”, diz animado. O jornalista e roteirista diz que aprendeu a escrever projetos específicos para a atual política de fomento ao audiovisual, despertando o interesse de outras produtoras para seus roteiros.  

“Já participei de uns quatro pitchings, a defesa oral desses projetos. O interessante é que isso também possibilitou uma abertura com outras produtoras. Tem projetos que são de interesse da Raccord, que tem como sócia a Clélia Bessa”, revela. A Raccord é responsável, por exemplo, por filmes como ‘Desenrola’ e ‘Cartola’. 

“Também há uma aproximação com a 3 Tabela, uma produtora formada por um pessoal sensacional, como Ana Pacheco, Izabela Fayal e Fernanda Reznik. Elas acabaram de aprovar um longa também, baseado num livro do Nick Hornby, o Slam. A gente tentou uma série documental, mas não fomos aprovados. Mas ainda queremos fazer algo em conjunto. Com a Espaço, a produtora rondoniense, tínhamos batido na trave em outros editais, por algumas questões bem pequenas. Dessa vez deu tudo certo”, comemora.

Recentemente, Ismael Machado também integrou o primeiro grupo de Núcleo Criativo da Amazônia, num projeto junto a produtora TV Norte, também com financiamento de uma chamada pública. Participar do Núcleo Criativo foi uma experiência rica, cheia de altos e baixos, segundo Ismael, mas que serviu como aprendizado.

“O contato com um consultor de roteiro, como o Aleksei Abib foi fantástico. Além disso, serviu para que eu e Vlad Cunha desenvolvêssemos um roteiro de um longa que ficou muito bom, o ‘Fronteira de Sangue’, uma história ambientada numa região de fronteira Brasil-Bolívia, com disputa de poder em torno do tráfico e do contrabando. Também fui co-criador de uma série de ficção, ‘A Agência’, outro resultado do núcleo”, revela o jornalista.

Filme em produção e também na gaveta

Enquanto aguarda o desenrolar burocrático de contratações para os longas, Isamel conta que há outro projeto dele já em andamento. “Nazinha”, um nome provisório, já está em fase de filmagens, também pela produtora Giros, que tem quase duas décadas de existência e é responsável por oito longas-metragens, 27 séries de TV, cinco prêmios internacionais e 1100 horas de programação exibidas em mais de 23 canais pelo mundo.

“Desde o ano passado estamos acompanhando alguns personagens das casas de detenção do Pará, tendo o Círio de Nazaré como pano de fundo, mas ampliando o olhar para todo um microcosmo social. A ideia era acompanhar detentos que são beneficiados com a saída temporária na época do Círio. Desde então um personagem foi assassinado, outro está foragido, outro fugiu e retornou. Uma personagem está grávida. Enfim, há um material humano muito rico”, diz Ismael.

Vai ficar faltando colocar em prática um projeto dele que é bem mais antigo, um documentário sobre o guitarrista pio Lobato. “Tá em suspenso porque aprendi uma coisa...podes fazer uma obra como essa sem dinheiro, mas é um desperdício de tempo e de ideias. O resultado pode ficar aquém do que imaginaste. Então, é uma ideia que só vou retomar quando tiver os recursos para fazer”, finaliza. 

Um comentário:

Afonso Gallindo disse...

Achei duca....