27.12.16

Nelson Carvalho abre a 1a exposição de desenhos

O arquiteto, professor e desenhista abre sua primeira exposição individual, “Fronteiras Cambiantes”, nesta quinta-feira, 29 de dezembro, às 19h, na Casa do Fauno. O vernissage conta com a música instrumental do Trio Jazzvairado, formado por Bob Freitas (guitarra), Cássio Lobato (bateria) e Mário Jorge Garcia (baixo), trazendo no repertório, jazz e musica brasileira. Na Rua Aristides Lobo, 1061, Belém - PA.

Feliz quando soube que o Nelson Carvalho iria fazer uma exposição. Muitos dos amigos acabam vendo nascer seus desenhos. A cidade tanto como inspiração quando de atelier. Já tinha visto outros desenho dele postados nas redes sociais. Os traços chamam atenção. Fui encontrá-lo para uma entrevista.

Assim que cheguei, no apartamento do 14º andar, no Manoel Pinto da Silva, para um bate papo sobre a exposição, Nelson Carvalho me disse que estava tenso e ansioso, mas feliz. “Fronteiras Cambiantes vem fechar um ciclo. Isso levou muito tempo para acontecer, poderia até ter acontecido antes, mas enfim, acho que é o momento legal e estou curtindo a ideia”.

Era sábado, 17 de dezembro, 13h.  O artista estava na cozinha preparando ele mesmo uma deliciosa caldeirada para o almoço. Habilidades com as mãos não apenas para o desenho, mas também para a gastronomia.

Ele continua. “Faz muito tempo que desenho. Há dez anos, eu diria que de forma mais consistente. Eu já desenhava antes disso, mas agora é diferente, existe uma questão de honestidade do traço que se manifesta de um jeito muito verdadeiro. Uma verdade construída, a partir do meu contato com a arquitetura, que se mostra evidente no meu desenho, ela é real”.

Um mapa sentimental da cidade 

Já na varanda do apartamento... Vento forte, tendo a frente, no campo de visão, o rio Guamá, o Theatro da Paz, a Praça da República e os túneis vultuosos de mangueiras nas avenidas Presidente Vargas e Nazaré, como não se inspirar, penso.

Nelson desenha de memória. Em seus desenhos surgem fachadas antigas, visões de um patrimônio arquitetônico e praças, tudo riscado a nanquim, um emaranhado de imagens traçadas, traduzindo a cidade sob o prisma de um olhar privilegiado.

A exposição reúne mais de vinte imagens que se remetem às andanças dele pela orla, nas entranhas dos bairros históricos ou pelo centro da cidade, em que foi percebendo as edificações em contextos arquitetônicos e paisagísticos que o estimularam a desenhar.

“Eu me meto pelos becos, pealas ruas mais estranhas, não são lugares que o turista vai, mas que o viajante vai e faz uma imersão. Essa Belém que desenho hoje é aquela de quando eu moleque andava de skate, pela cidade. É ela que te produz e te alimenta, ela te captura, é um personagem. É o meu mapa sentimental com essa cidade, é meu olhar curioso. São as minhas fronteiras, que estão sempre mudando e me permitindo experimentar cada vez mais”, diz o artista.

“Fronteiras Cambiantes” traduz, a bico de pena, as expressões arquitetônicas e oníricas de uma cidade filtrada pelo olhar do artista, desde a infância. Nascido no Piauí, veio para Belém ainda criança.

“Belém me construiu como pessoa, é minha referência, é vital para minha existência, ela que me faz existir como arquiteto, artista e alguém que olha para a cidade tentando traduzir o que vê. É o que vai aparecer nos desenhos”, diz o artista.

Na adolescência, entre as décadas de 80 e 90, percorria as várias ruas da cidade, descobrindo cada canto, como até hoje. “Existem umas fronteiras que estou visitando agora, mas que já visitava desde moleque, quando podíamos andar livres pela cidade. Eu olhava pra dentro da casa das pessoas, tentando reconhecer minha própria casa, dos amigos, dos vizinhos. Não conseguia compreender o que eu estava fazendo, era curiosidade, olhar e reconhecer o outro, as pessoas”, lembra.


Arquitetura, patrimônio, desenhos

A carreira de arquiteto de Nelson Carvalho foi impulsionada no final dos anos 1990 com a menção honrosa recebida em concurso nacional para reforma do complexo do Ver-o-Peso. 

“Não levamos o primeiro lugar, mas fomos o único projeto classificado na região norte”, comenta o arquiteto que acabou trabalhando na implantação do projeto vencedor, que até hoje está vigorando", conta.

Foi a partir daí também, que ele acabou sendo levado a trabalhar em vários projetos na área do patrimônio. Nelson atuou também como arquiteto nas obras do Memorial dos Povos, Palacete Bolonha, Palacete Pinho, Ver-o-Rio, enfim, em obras da prefeitura situadas do Tucunduba ao centro da cidade de Belém do Pará.

“Isso tudo que obviamente vem bater na minha memória e no meu encontro com a cidade. Desencadeia um olhar diferente que, de forma intuitiva, somado a outros momentos, resultam, com habilidade de traço, nestes e muitos outros desenhos”, reflete.

Sobre suas influências, para além da arquitetura, Nelson Carvalho diz que são vastas. “PP Condurú, Paulo Ponte Souza, Emmanuel Nassar, Emanuel Franco. Vou ver o trabalho dos meus amigos, estudo filosofia, fotografia. E fico pensando que o desenho que faço é resultado do meu encantar com tudo, e consegui compreender que posso me apropriar de Belém e dizer mais dela, através do meu traço”.

O arquiteto, na Casa do Fauno

Nelson Carvalho já morou no Bairro do Reduto por três vezes. “Adoro esse bairro, diz muito sobre Belém”, comenta como quem está de volta ao Reduto, agora, não só pelas caminhadas que ainda costuma fazer ou pela exposição que ficará aberta à visitação até fevereiro, mas porque há um traço dele a mais na Casa do Fauno, um casarão localizado na Aristides Lobo, bem no coração do bairro.

O arquiteto, professor e desenhista, depois de formado, trabalhou produzindo, por dez anos, arquitetura de interior. “Uma micro arquitetura, experiência que durante um tempo foi fundamental pra mim, até que não quis mais e resolvi mudar o rumo das coisas. O que faço hoje, neste sentido, vem de escolhas minhas, como a de fazer a Casa do Fauno”, comenta.

Inaugurada há três meses, no dia 29 de setembro, a Casa do Fauno passou por um processo de ressignificação, um trabalho arquitetônico de interior conduzido por Nelson Carvalho, em parceria com Cleide Cunha, proprietária da Casa do Fauno, e Clodoaldo Cunha, engenheiro responsável pelas obras. Nada mais justo do que fazer a primeira exposição neste espaço.

“Imagina pegar uma casa antiga e fazer uma transformação naquele ambiente, e propor uma retomada de uso, dando a ele outro sentido e socializando o lugar. É uma casa lindíssima, um lugar fantástico. Fui um facilitador do que tinha que ser feito ali, e isso me enche de orgulho. É um lugar que eu recomendo, e tem tudo a ver com o que as pessoas vão ver na exposição, só que com a lógica do desenho”, continua Nelson Carvalho.

O desenho como assinatura 

Nelson conta que olhar arquiteturas do sec XVII, XVIII, XIX, convivendo ali numa simbiose, lhe remete à liberdade que tanto lhe interessa e que está refletida na exposição.  “Talvez a gente não reconheça de cara, nem todos os desenhos são tão evidentes, alguns são muito livres, meio malucos”, brinca.

“Alguns são abstração pura, mas também são exercícios para uma gramática de desenho, uma assinatura de desenho, um jeito de dialogar com meus demônios”, reflete, enquanto vai me mostrando alguns desenhos.

Olho ao redor. Acompanham a entrevista o artista plástico e amigo Paulo Ponte Souza, o músico Carlos Canhão Brito, além da namorada de Nelson, a Tarsila, e os filhos de Nelson, Pedro e Caio. Nas paredes obras de P.P. Condurú, do próprio Paulo, de Miró. Na estante há livros de filosofia e arte, arquitetura e música, discos. Seriam estes seus demônios? Melhor não perguntar. 

Quero saber se ele espera receber muitos amigos que com certeza acompanham a trajetória dele, principalmente agora, com os compartilhamentos que tem feito pelas redes sociais. “Convidei meus alunos, pessoas do meu universo próprio e que me veem desenhando sempre, por aí. Quero ganhar abraços de todos . É real, podem vir que vou adorar”, decreta.

Serviço
“Fronteiras Cambiantes”, exposição de Nelson Carvalho. Abertura às 19h. Show do Trio Jazzvairado, a partir das 22h. Happy Hour das 17h às 20h. Casa do Fauno - Rua Aristides Lobo, 1061, entre Benjamin e Rui Barbosa. Entrada para os shows ao vivo: R$ 10,00 (na conta). Informações e reservas: 91 9 9808-2322.

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