24.4.17

"Ponte do Galo" em busca da reedição pelo Catarse

Esgotado em livrarias, talvez com sorte achado em algum sebo, o livro “Ponte do Galo”, do romancista Dalcídio Jurandir está prestes a ser reeditado pela Pará.grafo, uma editora bragantina, atenta para a relevância da obra e de seu autor. A campanha de financiamento coletivo pelo site Catarse ganhou fôlego e se espalha na imprensa e redes sociais. A arrecadação já chega a quase metade do valor total do recurso necessário. Já garanti o meu exemplar e, enquanto o aguardo, bati um papo com o professor e poeta Paulo Nunes, que assina o prefácio da nova edição.

“Ponte do Galo”, do romancista paraense Dalcídio Jurandir está há 46 anos sem nova edição. A editora Pará.grafo, de Bragança (PA), iniciou no dia 7 de abril uma campanha de financiamento coletivo no Catarse, que ficará no ar por 60 dias, com objetivo de arrecadar os recursos necessários. Nesse período, leitores e apreciadores da obra dalcidiana poderão apoiar financeiramente a iniciativa doando R$ 10,00 ou ainda adquirindo o e-book (R$ 15,00) ou o exemplar físico (R$ 45,00).

Acesse o site e veja como é fácil: www.catarse.me/ponte_do_galo.

Pela relevância e riqueza da sua literatura em retratar a amazônia, seu povo e sua cultura, é dito  que Dalcídio está para a sua região, como Graciliano Ramos, Jorge Amado e Érico Veríssimo estão para as suas.

"Ponte do Galo", o sétimo romance dos dez que formam o chamado Ciclo do Extremo-Norte, foi publicado em 1971 pela Editora Martins/MEC. A história, dividida em dois momentos, se passa em Cachoeira (Ilha do Marajó) e Belém, respectivamente, narra a história de Alfredo, menino marajoara que sonha em ir para a cidade grande continuar seus estudos.

Dalcídio Jurandir revela em seus livros, outro mundo, das pessoas comuns de uma vila no meio de uma ilha e introspecções e desejos. São emblemas humanos que circundam a narrativa. Ao explorar, em sua obra, a região e seus habitantes, dando ênfase ao ser humano, seus medos, angústias, sentimentos e sobrevivência, o autor vai além do simples retrato da Amazônia.

"Em 50 anos de literatura, ele escreveu dez romances amazônicos, e teve um livro de poemas publicados post mortem, o 'Poemas Impetuosos' (Belém, 2011), que organizei  para a editora Paka-Tatu em convênio com a Casa de Cultura Dalcídio Jurandir",  diz Paulo Nunes. O professor, poeta e pesquisador conversou com o Holofote Virtual, sobre a obra e importância de Dalcídio Jurandir para a literatura e cultura brasileira.


Capa da edição de 1971
Holofote Virtual: Como você apresentaria Dalcídio Jurandir às novas gerações que talvez ainda não o conheçam?

Paulo Nunes: Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras, 1909/ Rio de Janeiro, 1979) é um grande romancista, um brasileiro incomum, sempre preocupado em retratar o Brasil a partir de sua gente mais humilde (“a minha criaturada dos pés no chão”, como ele mesmo dizia), que habita as periferias do país, onde a Amazônia, palco dos dramas do ‘teatrum mundi’ dalcidiano, é também uma periferia incompreendida. 

Um romance é um primor da Negritude e da Amazonicidade, coisa que Dalcídio aprendeu a respeitar com seus pares da Academia do Peixe Frito, congregação informal liderada por Bruno de Menezes, que se reunia no Ver-O-Peso cerca de treze moços pobres e quase todos pretos. 

Nos idos dos anos 30 do século passado, com o intuito de renovar nossa cultura e nossas letras, Dalcidio começa a escrever a primeira versão do premiado Chove nos Campos de Cachoeira, provavelmente em 1929 e a publica em 1941, resultado de concurso literário instituído pelo jornal D. Casmurro e editora Vecchi. Seu último romance é Ribanceira, publicado em 1978, graças ao apadrinhamento de Jorge Amado, junto ao editor da Record.

É possível ler mais sobre o escritor na biografia – Dalcídio Jurandir, o romancista da Amazônia - organizada por Benedito Nunes, Ruy Pereira e Soraia Reolon, e publciado pela SECULT Pará, em convênio com a Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro.

Publicado em Moscou
Holofote Virtual: Qual a importância de “Ponte do Galo” dentro da vasta obra do autor?

Paulo Nunes: Ponte do Galo, que agora sairá pela editora Pará.grafo, é um dos volumes mais raros e menos lido do romancista marajoara que ganhou o Brasil, e teve 2 livros publicados também no exterior: Belém do Grão-Pará (Portugal, duas edições) e Linha do Parque (Moscou).

De estrutura narrativa mais inovadora que os demais romances, o livro divide-se em duas partes, a primeira, em Cachoeira, onde Alfredo, o protagonista, goza férias escolares, e a segunda: em Belém, onde a periferia da Belém, sobretudo o Telégrafo e arredores, ganha destaque. Em boa hora a Pará.grafo resolve tirar do baú o Ponte do Galo, uma pungente narrativa, que talvez seja a mais complexa do conjunto de romances dalcidianos. Além de mim, também participam do projeto de reedição, a artista plástica e ilustradora Paloma Franca Amorim e o fotógrafo marajoara Eliseu Pereira. 

Holofote Virtual: Como situar Dalcídio Jurandir no panorama romancista brasileiro?

Paulo Nunes: Dalcídio inicia-se como integrante tardio da segunda geração do romance modernista, onde militavam Graciliano e Raquel de Queirós, Zé Lins e Jorge Amado, recrutado ao romance do realismo socialista, ele escreve para desvelar as vozes do povo das periferias  que não recebiam destaque e protagonismo até então. 

A Acadamia do Peixe Frito ajudou a formar a sensibilidade deste grande romancista. Impossível falar do romance brasileiro sem citar Dalcidio, seria uma lacuna incompreensível de uma fala gritante. Se o romance ajuda a revelar um povo, não podemos desconsiderar autores como Dalcidio, Benedicto Monteiro, Marcio Souza e Milton Hatoum, por exemplo.

Holofote Virtual: Você acha que Dalcídio Jurandir já possui o devido reconhecimento dentro da cena literária do país?

Paulo Nunes: O reconhecimento está em curso, principalmente no Pará e em algumas capitais brasileiras, de modo muito discreto, menos intenso do que deveria. Falta a ele uma grande editora nacional que lhe dê o tratamento merecido. Se elas, as grandes editoras, não se interessam, as universitárias e a Marques fizeram edições necessárias. Agora vem a Pará.grafo mexer num romance pouco lido e um dos mais originais que é Ponte do Galo", comenta Paulo Nunes.

Um comentário:

Helton Malato disse...

Excelente a matéria do professor Paulo Nunes. Sou de Ponta e Pedras, leio muito e pesquiso a obra de Dalcidio Jurandir. Fiquei muito feliz ao ler a reportagem. Aprendi ainda mais sobre o romance, a Amazônia e a gente de Dalcídio. Parabéns!